CONSIDERAÇÕES ACERCA DO USO PRIVADO E SEM FINALIDADE COMERCIAL DA IMPRESSÃO 3D DOMÉSTICA E SUA RELAÇÃO COM O REGISTRO DE DESENHO INDUSTRIAL
A impressão 3D – também chamada de manufatura aditiva – é uma tecnologia altamente difundida no design moderno e ocupa um papel de alta relevância na resolução de problemas complexos em indústrias de escalas variadas, tais como aeroespacial, saúde e veículos elétricos.
Embora os equipamentos iniciais apresentassem um custo elevado, atualmente, a impressão 3D é mais popular devido a maior acessibilidade econômica e de conhecimento sobre a tecnologia. Dessa forma, à medida que a tecnologia continua a evoluir e sua entrada em ambiente doméstico se estender, a impressão 3D doméstica pode se deparar com certas questões envolvendo os direitos de Propriedade Intelectual e Propriedade Industrial, como o registro de desenho industrial (DI), estabelecido pela Lei da Propriedade Industrial, Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996 (LPI).
Nesse sentido, o Art. 187 da LPI dispõe somente sobre a prática incriminada de fabricação desautorizada de produto que incorpore desenho industrial registrado ou de imitação substancial do desenho industrial registrado que possa induzir em erro ou confusão. Já os dois incisos do Art. 188 abordam os atos de exploração comercial de objeto que incorpore ilicitamente desenho industrial registrado ou a imitação substancial que possa induzir em erro ou confusão.
Além disso, com fulcro no parágrafo único do Art. 109, aplicam-se ao registro do desenho industrial, no que couber, as disposições do Art. 42 e dos incisos I, II e IV do Art. 43, esses últimos tratando das exceções aos direitos conferidos pelo titular do registro de DI. Por conseguinte, a proteção do registro de DI não se aplica aos atos praticados por terceiros não autorizados, em caráter privado e sem finalidade comercial, desde que não acarretem prejuízo ao interesse econômico do titular do registro; e aos atos praticados por terceiros não autorizados, com finalidade experimental, relacionados a estudos ou pesquisas científicas ou tecnológicas, conforme incisos I e II do art. 43, respectivamente.
Complementarmente, o Art. 26.1 de TRIPS determina que: “O titular de um desenho industrial protegido terá o direito de impedir terceiros, sem sua autorização, de fazer, vender ou importar Artigos que ostentem ou incorporem um desenho que constitua um cópia, ou seja substancialmente uma cópia, do desenho protegido, quando esses atos sejam realizados com fins comerciais.”.
Em geral, tomando como base o estabelecido no Art. 43 da LPI, se entende que o direito conferido pelo registro de DI não poderia ser exercido contra determinados usos, como o uso privado e sem fins comerciais e com finalidade experimental, relacionados a estudos ou pesquisas científicas ou tecnológicas, respectivamente, conforme incisos I e II do referido artigo.
No âmbito da impressão 3D, a presente discussão abarca a impressão doméstica 3D no contexto da limitação de uso privado e não comercial, estabelecido no Art. 43 (I) da LPI.
Depreende-se, que a impressão 3D doméstica pode recair sobre a exceção de uso privado e não comercial, como em um caso exemplificativo, onde um brinquedo impresso em uma impressora 3D, que seja utilizado em modo privado e sem fins comerciais por um terceiro não autorizado, não caracterizaria um crime contra um registro de DI de tal brinquedo.
Entretanto, com o futuro crescimento em massa da utilização de impressão 3D de forma doméstica, surge a questão de se tal exceção de não infração de direitos de DI pela utilização privada sem finalidade comercial pode ser percebida como uma ameaça aos titulares de registros de DI, na medida em que o aumento da circulação do bem protegido resultaria, inevitavelmente, na redução do volume de vendas, por exemplo, o que iria de encontro à ressalva do Art. 43 (I), resultando em prejuízo ao interesse econômico do titular do registro.
Nesse ponto, vale ressaltar, que a finalidade comercial indicada no inciso I do Artigo 43 não denota qualquer referência à quantidade de produtos. Além disso, a limitação referente ao uso que não resulte em prejuízo ao interesse econômico do titular não atribui nenhuma quantificação ou qualificação ao possível prejuízo. Portanto, se pode inferir que qualquer prejuízo que se cause ao interesse do titular, excluiria os atos praticados por um terceiro não autorizado da exceção do inciso I do Artigo 43, configurando infração ao registro de DI.
No mesmo contexto, ao “interesse econômico” do Art. 43, se pode aplicar o que diz o Art. 30 de TRIPS “não conflitar de forma não razoável com sua exploração normal” com “não prejudicar de forma não razoável os interesses legítimos de seu titular”. Isto posto, se pode entender que mesmo quando afete marginalmente o interesse econômico, o ato privado e não econômico de impressão 3D doméstica pode ser permitido.
No processo envolvendo o ato de impressão 3D doméstica estão incluídos também outros itens que requerem atenção especial no que diz respeito à proteção conferida ao registro de Desenhos Industriais, que são os arquivos CAD e STL.
Com relação ao arquivo CAD, esse é gerado através de softwares de modelagem, que permitem realizar projetos de objetos ou estruturas, por exemplo. Já o arquivo STL é o arquivo pronto para ser utilizado para realizar a impressão 3D, o qual é convertido a partir do arquivo original CAD e não permite modificações significativas com relação ao objeto contido no arquivo CAD original. Ambos os arquivos STL e CAD podem ser adquiridos em diversas plataformas de comercialização de recursos para impressão 3D.
Algumas situações envolvendo a circulação de arquivo para impressão 3D de objeto protegido por registro de DI podem ser previstas no âmbito da impressão 3D doméstica, tais como: um terceiro não autorizado comercializa tal arquivo em uma plataforma pública de recursos para impressão 3D; e um terceiro realiza a compra do dito arquivo e apenas imprime o objeto 3D para uso privado e não comercial. Na primeira situação, o terceiro não autorizado está disponibilizando tal arquivo para compra, por conseguinte, se pode entender que não ficaria caracterizado o uso privado, o que poderia caracterizar infração do registro de DI. Na segunda hipótese, em princípio, não estaria infringindo o direito do titular de tal registro, porém, uma vez que não ocorreu a exaustão dos direitos do titular, esse terceiro não poderia revender tal objeto e/ou arquivo.
Evidente, que essas e outras situações podem ser também abordadas pela Lei de Direitos Autorais (Lei Nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998) e de Lei de Programa de Computador (Lei Nº 9.609/98 de 19 de fevereiro de 1998). Ademais, como bem conhecido, programas de computador são alvos constantes de pirataria e o mesmo pode se aplicar no âmbito de arquivos desse gênero, que podem ensejar ações de antipirataria.
Além disso, também é possível vislumbrar a oferta por um autorizado de arquivo para impressão 3D doméstica de peça de reposição/manutenção de um artefato, em que tal peça é protegida por registro de DI. Nesse caso, a qualidade do objeto final 3D impresso pode não condizer com a originalmente ofertada pelo detentor, que não tem controle sobre tal, o que pode trazer prejuízos para o usuário, bem como motivar ações nesse sentido.
Não restam dúvidas de que o tema em comento abre uma gama de discussões e análises, que permeiam não só os direitos de registro de desenho industrial, mas também patentes e direitos autorais.
Referências:
BARBOSA, Pedro M. Nunes. BARBOSA, Denis Borges. O código da propriedade industrial conforme os tribunais: comentado com precedentes judiciais: volume 1: patentes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017.
IDS-Instituto Dannemann Siemsen de Estudos de Propriedade Intelectual. COMENTÁRIOS À LEI DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL. Edição Revista e Atualizada. Renovar: 2015.
European Commission, Directorate-General for Internal Market, Industry, Entrepreneurship and SMEs, Mendis, D., Bernd Nordemann, J., Ballardini, R., et al., The Intellectual Property implications of the development of industrial 3D printing, Publications Office, 2020, https://data.europa.eu/doi/10.2873/85090
DECRETO No 1.355, de 30 de dezembro de 1994. Trade Related Intelectual Property Rights Agreement – “TRIPS”.
LEI Nº 9.279, DE 14 DE MAIO DE 1996. Lei da Propriedade Industrial.