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A Propriedade Intelectual e as Inteligências Artificiais

  • 02 Junho 2018
  • Artigos

Para fomentar a criação humana e os avanços que por ela são impulsionados o Direito tutela a Propriedade Intelectual, oferecendo respaldo àquele que, de alguma forma, venha a investir suas capacidades na produção de um conteúdo, obra ou símbolo. Nesse sentido, indivíduos são incentivados a despender recursos materiais e intelectuais, com a perspectiva de que os frutos eventualmente obtidos se encontrem juridicamente protegidos, de modo que deles se possa extrair proveito. Hoje, contudo, com o surgimento de tecnologias de inteligência artificial capazes de produção de conteúdos autênticos, a questão torna-se mais complexa.

Como exemplo dessa nova complexidade podemos citar o caso enfrentado pelo Tribunal de Apelações dos Estados Unidos do Nono Circuito acerca da possibilidade de direitos autorais serem concedidos quando o autor da obra não seja um ser humano. No caso concreto, temos um macaco indonésio chamado “Naruto”, que tirou várias “selfies” ao pegar uma câmera fotográfica que não estava sendo vigiada pelo fotógrafo que a possuía, David Slater. As imagens produzidas por Naruto foram postadas por Slater e tiveram uma rápida disseminação, o que, por sua vez, chamou a atenção da organização “PETA” (Pessoas pelo Tratamento Ético dos Animais) que ajuizou ação alegando violação de direito autoral em face do fotógrafo e de publicantes do material, o que nos leva ao ponto interessante da questão.

Embora um caso que, com exceção da câmera e da divulgação das fotografias ter se dado também por mídias virtuais, envolva pouco tecnologia, as implicações da decisão proferida pela corte em muito interessam questões das mais avançadas inovações tecnológicas: as inteligências artificiais. O Tribunal de Apelações dos Estados Unidos do Nono Circuito, ao proferir sua decisão, deixou claro que direitos de autores, segundo a lei norte-americana, só podem ser detidos por criadores humanos, e assim excluiu explicitamente a possibilidade de que obras produzidas pelas inteligências artificiais sejam objeto de proteção pela via dos direitos autorais. Nas palavras proferidas pela corte, nenhuma obra “produzida por uma máquina ou por um mero processo mecânico, que opere randômica ou automaticamente sem qualquer input criativo ou intervenção de um autor humano“ poderá gozar das referidas proteções.

Na outra ponta da questão, temos os avanços inegáveis já alcançados no campo da produção cultural por meio de algoritmos e inteligências artificiais capazes de produzir os mais diversos tipos de conteúdo, como é o caso do álbum Hello World – primeiro do mundo a ser produzido com recursos de inteligência artificial -lançado pela Sony Computer Science Labs (Sony CSL) em parceria com a Universidade de Pierre e Marie Curie, ou o caso da inteligência artificial auto intitulada Benjamin, que produziu, na totalidade, o roteiro de Sunspring, vencedor do festival Sci-fi de Londres em 2016.

O cenário atual, portanto, pode ser descrito de duas formas: por um lado, temos a tecnologia já em prática, produzindo conteúdos relevantes que não se limitam ao campo cultural. Por outro, temos o Direito, que conforme exemplificado por meio da decisão da Corte norte-americana, ainda não alcançou, ao menos em sua completude, os interesses que podem estar envolvidos, não só por parte de empresas, mas também da sociedade, na exploração e evolução da tecnologia e desse novo modelo de produção.

Ao privilegiar apenas seres humanos com a proteção dos direitos de autor, a lei norte-americana – tal como a de qualquer outro país que siga por entendimentos similares – pode muito bem estar sufocando uma parte impactante do desenvolvimento  tecnológico, o que se insere no campo dos avanços que a própria tutela da Propriedade Intelectual objetiva estimular.

Desse modo, nota-se que o uso da inteligência artificial possui grande potencial para a solução não só de problemas práticos da vida como também para o enriquecimento da produção intelectual e cultural, como um todo. Contudo, é importante que haja o equilíbrio entre as inovações e a devida atualização dos direitos que envolvem o ramo da Propriedade Intelectual, uma vez que há, ainda hoje, mesmo com as tecnologias citadas já operantes e, de fato, produzindo, uma grande defasagem do segundo em relação ao primeiro.

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