Qual é o tamanho da paixão dos brasileiros pelo futebol? Já se tentou mensurar a dimensão dessa paixão e segundo uma pesquisa[1], 65% dos brasileiros consomem conteúdo sobre futebol. Seria justo dizer que o futebol faz parte de nossa cultura e, de certo modo, da maneira como o brasileiro se coloca ou é percebido no mundo. Mas se o futebol agita a vida dos brasileiros com seus campeonatos locais e disputas entre os clubes de coração, quando o assunto é a Copa do Mundo, o impacto se multiplica e seus efeitos tocam não apenas os amantes de futebol, despertando um sentimento de nação na busca por afirmar-se como o melhor futebol do mundo. Para o evento deste ano, 3 milhões de ingressos foram vendidos, estando os brasileiros entre as dez nacionalidades que mais asseguraram sua presença nos estádios[2].
A Copa do Mundo de futebol masculino é, seguramente, um dos maiores eventos esportivos do planeta, e para o ano de 2022, estima-se que a audiência televisiva e por streaming, juntas, alcançarão o impressionante número de 5 bilhões de espectadores[3]. Neste contexto, a chegada do torneio influencia as práticas comerciais, fazendo com que produtos e serviços sejam anunciados e emoldurados com cores, linguagem e apresentação que emanam o clima festivo do momento. Pessoas físicas e jurídicas visam fidelizar e prospectar clientes, criar engajamento em suas redes sociais e, obviamente, lucrar. Desta forma, poder-se-ia dizer que a Copa do Mundo é uma grande festa para a indústria, comércio e prestação de serviços, se não fosse um detalhe: esta festa tem dono. Portanto, é preciso cautela para integrar o clima festivo, particularmente no que tange à proteção de direitos de propriedade intelectual.
A começar pelo nome do evento, pois “Copa do Mundo” é marca registrada, no Brasil e outros países, de titularidade da Fédération Internationale de Football Association (FIFA). Por conseguinte, o direito ao uso exclusivo da marca é assegurado à FIFA, com respaldo na legislação brasileira, incluindo, mas não limitado à Lei de Propriedade Industrial (LPI, lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996). Por uso exclusivo entende-se que terceiros, não autorizados pelo titular da marca, estão impedidos de fazer uso do nome “Copa do Mundo”.
No que se entende por direito de uso exclusivo do nome e marca “Copa do Mundo”, vale pontuar que o fato de um fabricante ou lojista atuar com atividades fora do âmbito esportivo, não significa que ele poderá usar o referido termo por não ser concorrente do titular da marca. Deve ser observado que essa proibição de uso (e de registro como marca) por terceiros não autorizados reside, entre outros fundamentos legais, no fato de que nomes que designam eventos esportivos, oficial ou oficialmente reconhecidos, estão amparadas pela Lei de Propriedade Industrial. Acresce-se que essa proteção ao nome do evento esportivo ocorre irrestritamente (art. 124, XIII, LPI), de modo a alcançar todos os produtos e serviços. Exemplos de casos malsucedidos de tentativas de registro de marca, por terceiro não autorizado pela entidade promotora do evento, são os do “SALGADINHOS DE MILHO KICOPA DO MUNDO”, “PIPOCAS COPA DO MUNDO” e “SALGADINHOS COPA DO MUNDO AMANTEIGADO” disponíveis na base de dados do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
Além da marca registrada “Copa do Mundo”, existem outros elementos atrelados ao evento que também encontram proteção legal. Emblemas, slogans, mascotes, logotipos e imagens são exemplos de sinais distintivos ou elementos que não devem ser usados por terceiros não autorizados. Quanto a isso, a FIFA disponibiliza publicamente algumas diretrizes de Propriedade Intelectual em seu endereço eletrônico[4]. Aqueles que pretendem fazer uso da temática do evento futebolístico em suas práticas comerciais, devem ter em mente que essas diretrizes da FIFA não são exaustivas; adicionalmente, recomenda-se que as possíveis ações comerciais e promocionais (ou de outra natureza) a serem exercidas, por terceiros não autorizados pela entidade dona do evento, sejam analisadas por um profissional especializado na matéria.
É importante observar, ainda, que o respeito aos direitos de propriedade intelectual não está restrito aos ativos intangíveis da FIFA, pois as seleções de futebol e outras partes envolvidas (a exemplo dos patrocinadores oficiais) possuem direitos que também não devem ser infringidos por terceiros. Muitos devem se lembrar, por exemplo, da campanha publicitária da Caixa Econômica Federal (CEF) conhecida como “Seleção dos Poupançudos” durante período próximo à Copa do Mundo de 2010. A referida campanha foi objeto de condenação da CEF, pelo Poder Judiciário[5], para que a Caixa se abstivesse de usar as marcas e signos da seleção brasileira de futebol. No contexto, foi entendido que a campanha se tratava de uma prática conhecida como “marketing de emboscada”, ou seja, um tipo de publicidade oportunista, que se associa a um evento, sem que tenha havido autorização expressa dos realizadores ou detentores desse evento.
Infelizmente, o desconhecimento sobre direitos de propriedade intelectual faz com que muitos incorram em atos ilícitos, não apenas civil, como criminal, que poderiam ter sido facilmente evitados. No caso de violação de marca, por exemplo, a legislação brasileira prevê a possibilidade de crime quando há reprodução, sem autorização do titular, no todo ou em parte, de marca registrada, ou imitação de modo que possa induzir confusão nos consumidores. Sem mencionar outras previsões legais aplicáveis à coibição de pirataria e à repressão à concorrência desleal.
Em resumo, embora seja possível o uso aceitável de elementos que evoquem o torneio futebolístico mundial que ocorrerá em 2022, é necessário que todas as ações e práticas nesse sentido estejam circunscritas a um espaço que não infrinja direitos de terceiros. A depender do contexto fático, a conduta da pessoa, seja ela física ou jurídica, poderá ser interpretada como lesiva aos direitos da FIFA ou de outras partes contratualmente envolvidas na competição. Assim, profissionais especializados em Direito da Propriedade Intelectual podem certamente contribuir para o tema de modo a conferir segurança nas ações empresariais e comerciais relacionados, de certa forma, à Copa do Mundo.
[1] Disponível em: https://gente.globo.com/infografico-o-potencial-da-copa-do-mundo-de-2022/ acessado em 16/11/2022.
[2] Disponível em: https://www.forbes.com/sites/bradadgate/2022/11/14/the-2022-fifa-mens-world-cup-by-the-numbers/?sh=af478312c25c] acessado em 16/11/2022.
[3] Idem.
[4] Disponível em https://digitalhub.fifa.com/m/6c082ee6ab7bc802/original/FIFA-World-Cup-Qatar-2022_IP-Guidelines_EN.pdf acessado em 16/11/2022.
[5] Processo de origem: 25ª Vara Federal do Rio de Janeiro (08051848020104025101).