À meia-noite de 31 de dezembro de 2019, ninguém previa que 2020 poderia ser um ano menos bem-sucedido do que 2019 para a Propriedade Intelectual. As expectativas eram enormes para o início da nova década uma vez que a inovação estava no auge e não dava sinais de desacelerar. No entanto, no final do primeiro trimestre do ano, o mundo foi forçado a reconhecer que uma pandemia global, que trouxe consigo uma crise económica, seria uma nova realidade com impacto social duradouro.
À medida que a crise de saúde pública se espalhou por todos os níveis da sociedade, também esta atingiu a Propriedade Intelectual (PI). No início, houve uma preocupação genuína em observar como a PI iria enfrentar esta crise económica global e, nos primeiros meses do ano, o panorama não parecia animador. Ainda assim, a história ensinou-nos que grandes crises geralmente trazem grandes inovações, e esta vez não é uma exceção.
Algumas áreas, como o sector da saúde, já apresentavam um crescimento constante da inovação, mas agora encontram-se catalisadas pelos acontecimentos de 2020 e pela necessidade urgente da sociedade. Este foco extremo em linhas específicas de desenvolvimento teve um custo para outras áreas de inovação, que agora se tornaram menos prioritárias para muitas empresas em todo o mundo.
No mínimo, 2020 trouxe uma consciência económica mais elevada para as empresas que, diante de uma crise humana e económica, são mais do que nunca obrigadas a tomar decisões inteligentes sobre onde, quando e como investir o seu capital, e inevitavelmente, pensar como será financiada a inovação.
Países como Suíça, EUA e Reino Unido permanecem líderes em inovação em 2020. Este ano, Portugal somou 43,51 pontos e está agora na 31ª posição no ranking de inovação da OMPI, o que não é uma má posição considerando a dimensão da nossa economia e o facto de apenas recentemente termos saído de uma grave crise económica. Muito deste sucesso deve-se a uma grande percentagem da população mais jovem, de 20 a 30 anos, que tem acesso ao ensino superior, a universidades e institutos que fomentam I&D e PI, ao desenvolvimento de linhas de investigação mais conscientes, bem como pela afluência de fundos da Comunidade Europeia para a I&D em Portugal, tanto no sector público como privado.
A secção seguinte analisa os dados de PI dos últimos 3 anos e o impacto dos eventos deste ano na PI portuguesa. Para 2020, os dados estatísticos estavam disponíveis apenas até setembro.
Patentes (PAT), Modelos de Utilidade (MUT), Certificados Complementares de Proteção (CCP), Fase Nacional de PCT (PCT-PT) e Desenhos
Com base nos dados obtidos para novos pedidos, parece que Portugal tem tido um fluxo bastante estável de novos pedidos PAT, MUT, CCP e PCT-PT desde 2017, tendo 2019 sido o ano de maior crescimento global (Figura 1).
Este ano, dada à taxa de crescimento verificada, os números estão a caminho de ultrapassar 2019, o que é surpreendente para um ano tão anormal, considerando que a pandemia colocou pressão sobre a economia. Os números deste ano certamente serão devidos ao pico de inovação com foco na saúde e em dispositivos de segurança no combate à pandemia. De facto, houve um aumento significativo de pedidos relacionados com dispositivos e produtos de higienização, dispositivos médicos, equipamentos de proteção e invenções semelhantes nesta área.
Em relação ao número de objetos protegidos por desenho ou modelo nacional (DOM), 2020 já superou o total de objetos de 2018, mas é provável que não venha a corresponder aos números de 2019 até o final do ano (Figura 2).
Conforme ilustrado na Figura 3, verifica-se uma tendência decrescente no número de objetos protegidos por Desenho Comunitário (DMC) no último ano e prevê-se que o ano de 2020 seja menos bem-sucedido.
A Figura 4 ilustra a tendência de Validação de Patentes Europeias em Portugal e como se pode verificar, existe uma tendência flutuante ao longo dos anos.
O Instituto Europeu de Patentes divulgou um aumento de 8% de concessões de pedidos europeus de 2018 para 2019 e, embora os números de 2020 ainda não sejam conhecidos, a tendência de concessão da última década tem sido de aumento a cada ano.
O crescimento de concessões de patentes Europeias traduziu-se também num crescimento de validações em Portugal. A faltar apenas alguns meses para o final do ano, Portugal registará ainda um aumento dos números de validação, que poderá inclusive ultrapassar os números de 2019, se se mantiver o ritmo de validações sentido até agora.
Os pedidos de patentes Europeias de requerentes Portugueses também registaram um aumento de 2018 para 2019 (Figura 5). Os números deste ano ainda não são conhecidos, mas espera-se que também possam ser afetados pela crise económica, uma vez que as patentes europeias têm custos mais elevados do que um pedido de patente nacional.
Em contraste, os números de pedidos de PCT diminuíram no mesmo período de tempo, o que se pode ter ficado a dever à necessidade de reduzir tempo e custos, o que levou os requerentes a preferir ir diretamente para uma via europeia ou mesmo apenas uma vida nacional (que são ambos mercados imediatamente mais interessantes para os requerentes portugueses), em vez da via internacional (Figura 6).
Marcas
Uma marca é o direito de PI mais amplamente compreendido pela sociedade e, portanto, indivíduos e empresas estão sempre mais prontamente interessados em investir neste tipo de ferramenta. Infelizmente, após bons anos para a marca nacional, 2019 e 2020 tiveram uma queda significativa nos pedidos (Figura 7).
Este ano, a contração da economia global, e em particular da economia portuguesa, pode explicar os baixos números de pedidos até ao momento. Durante o confinamento obrigatório imposto pelo governo, muitas empresas tiveram de fechar as portas durante vários meses e atrasar o desenvolvimento de novos produtos ou redirecionar os fundos para prioridades não relacionadas com a PI. Consequentemente, os investimentos das empresas foram provavelmente canalizados para outras linhas de investigação ou produção com impacto mais imediato no mercado, de modo a obter receitas mais rapidamente. O desenvolvimento de novos produtos, que poderiam levar a potenciais novas marcas, pode também ter sido abandonado e muitas empresas certamente optaram por não expandir o seu portfólio de marcas este ano.
Conforme divulgado pela EUIPO, os pedidos de marca europeia totais tiveram uma tendência crescente nos últimos anos, mas até agora 2020 tem tido um desempenho inferior com ~ 126 mil pedidos de marca europeia até setembro (em comparação com o total de 160,5 mil em 2019) (Figura 8). Faltam ainda alguns meses para o final do ano, no entanto, a crise atual poderá ter um impacto negativo no crescimento dos pedidos de marca europeia este ano.
Para os pedidos portugueses de marca europeia, os últimos 3 anos tiveram números crescentes e acompanharam a tendência crescente do mercado. Ainda assim, 2020 surge com uma quebra de pedidos até setembro e as perspetivas não são favoráveis para atingir, ou mesmo superar, os pedidos do ano anterior (Figura 9).
Perspetiva ClarkeModet Portugal
A ClarkeModet tem vindo a ocupar de forma consistente os lugares de liderança no ranking português de agentes de PI. Esta tendência deve-se à forte aposta no aconselhamento personalizado dos clientes de forma a desenvolver estratégias de proteção que lhe sejam úteis e que possam criar valor e segurança jurídica. Adicionalmente, a ClarkeModet destaca-se também por integrar uma equipa de consultores especializados em diferentes áreas técnicas e jurídicas com largos anos de experiência.
Estas mais valias refletem-se na satisfação dos clientes, na sua confiança e preferência em manter os seus portfolios de inovação com a ClarkeModet, e na captação de novos clientes nacionais e internacionais.
Conclusão
Relativamente a pedidos de patentes, este ano é espectável que Portugal consiga ultrapassar os números dos anos anteriores, que foram anos de estabilidade social e económica no país, e de aposta forte na inovação. É igualmente espectável que o número de validações em Portugal mantenha a tendência de crescimento verificada ao longo dos anos.
Nos últimos anos, Portugal tem conseguido manter uma posição de destaque nos rakings globais de inovação e não diminuir substancialmente o interesse na PI. No entanto, uma boa posição no raking de inovação não significa necessariamente um aumento de pedidos de PI, uma vez que grande parte da inovação em Portugal não é protegida. As mentalidades estão certamente agora mais em sintonia com a inovação do que em anos anteriores, mas ainda não há um conhecimento generalizado de PI, ou uma cultura de PI per se, disseminada na sociedade em geral, como por exemplo nos EUA.
O despertar para o conhecimento de PI deve começar no nível escolar. Muitas universidades e empresas portuguesas já contam com excelentes programas de apoio à PI e incentivam alunos e grupos de investigação a estarem atentos à proteção do seu know-how e a ultrapassar a tendência de publicar primeiro em vez de patentear, por exemplo. No entanto, o desenvolvimento dessa inovação ainda está confinado aos limites dos grupos de investigação e depende principalmente de financiamento externo. A educação em PI deve começar nas salas de aula para formar uma nova geração que está consciente dos benefícios da PI e é capaz de monetizar suas ideias. Com uma mudança de mentalidade, com mais financiamento, e ultrapassada a crise atual, verificar-se-á certamente um aumento significativo dos números de PI de Portugal.