Usuários do sistema de registro de marcas no Brasil devem conhecer o sistema atributivo de direito, sistema este que preceitua que a propriedade de uma marca é adquirida mediante registro concedido pela autoridade competente, e não pelo simples uso da marca. O regramento do sistema de proteção e registro de marcas está pautado, essencialmente, na Lei da Propriedade Industrial (Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996 – LPI). A rigor, o registro de marca deve ser concedido àquele que primeiro depositou e cumpriu corretamente todas as exigências legais perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Contudo, a LPI prevê exceções ao sistema atributivo de direito, entre elas, o direito de precedência do usuário de boa-fé.
O direito de precedência está estabelecido no §1º do artigo 129 da LPI, com o propósito de salvaguardar os direitos da pessoa, física ou jurídica, que vinha usando de boa-fé uma determinada marca igual ou semelhante a uma marca já depositada perante o INPI. Esta pessoa, chamada de usuária anterior de boa-fé, poderá, em certas circunstâncias, socorrer-se da exceção legal para reivindicar seus direitos sobre a marca conflituosa, e tentar impedir que o terceiro registre a mesma ou semelhante marca, ainda que o terceiro tenha a anterioridade do pedido de registro perante o INPI. Deve-se ter em mente, contudo, que algumas condicionantes precisarão ser comprovadas e cumpridas pelo usuário anterior da marca, entre elas, que a marca estava em uso há no mínimo seis meses antes da data do depósito da marca em nome do terceiro e que seja formalizado um pedido de registro, em nome do usuário anterior, perante o INPI.
O ponto nodal da mencionada norma era quando o §1º do artigo 129 da LPI poderia ser invocado pelo usuário anterior de boa-fé. Isto porque, a redação do artigo abrigou espaço para diferentes interpretações. No entendimento institucional do INPI, o usuário anterior de boa-fé só poderia invocar a aplicação do §1º do artigo 129 antes da concessão do registro de marca em nome de terceiro. Na prática, o usuário anterior de boa-fé teria apenas o momento da oposição para tentar impedir que terceiro registrasse marca idêntica ou similar para determinados produtos ou serviços. Consequentemente, se o direito de precedência não fosse invocado no momento da oposição, não haveria outra oportunidade para o usuário fazê-lo. No entanto, esse entendimento institucional do âmbito administrativo não estava alinhado com as decisões mais recentes do Poder Judiciário. Com efeito, o marco para o redirecionamento da interpretação da Lei ocorreu em 2016, quando o Superior Tribunal de Justiça julgou e ratificou a possibilidade de se arguir o direito de precedência após o registro de marca ter sido concedido pelo INPI, ainda que não tenha sido arguido em momento anterior.
De modo a se alinhar com os recentes entendimentos proferidos pelo Poder Judiciário, o INPI reconheceu oficialmente, em 03 de novembro de 2021, a possibilidade de que o direito de precedência, previsto no §1º do artigo 129 da LPI, seja arguido após a concessão do registro de marca. Ou seja, os usuários anteriores de boa-fé não mais estarão limitados ao momento da oposição, podendo reivindicar o direito de precedência mediante apresentação de Processo Administrativo de Nulidade – PAN. Por conseguinte, e a depender de certas circunstâncias, o direito de precedência poderá prevalecer, como exceção, perante o direito daquele que primeiro solicitou o registro da marca. Mais do que nunca, os requerentes de registros de marcas devem considerar a importância da realização de buscas de anterioridades antes de prosseguir com grandes investimentos em uma marca. As buscas devem incluir marcas já depositadas e, sempre que possível, também as marcas não registradas que estão em uso no mercado para a prevenção de litígios e mitigação de riscos.
Nossa equipe estará disponível para maiores esclarecimentos sobre o direito de precedência. O contato poderá ser feito pelo e-mail brj@clarkemodet.com.br.